Delegado poderá autuar motorista por homicídio doloso

O motorista Evandro José de Oliveira, indiciado pelo acidente que matou seis pessoas e deixou outras 27 feridas neste sábado, em Domingos Martins, deve ter o inquérito alterado e pode ser enquadrado nas leis de homicídio doloso, que demonstra intenção de matar. Pelo menos é o que insinuou na manhã desta terça-feira o chefe da Delegacia de Delitos de Trânsito, delegado Fabiano Contarato, que está responsável pela investigação. Em entrevista, ele cita o caso de “um motorista de ônibus que pela potencialidade, pelas condições da pista, pela rodovia, ele tendo sido alertado pelos passageiros, faz ultrapassagem em local inadequado em excesso de velocidade” como passível da classificação, em que se entende que “ele não quer obviamente matar ninguém, mas pelo comportamento, assume o risco desse resultado”.

Confira a entrevista na íntegra:

Folha Vitória – Delegado, o senhor acha que a Lei é branda com o motorista que causa uma morte no trânsito?

Fabiano Contarato – Infelizmente é. Temos que refletir. Essa é uma análise que a própria sociedade tem que fazer e cobrar dos seus representantes políticos. É inconcebível que em um País como o nosso, onde 50 mil pessoas morrem por ano e quase 400 mil são mutiladas no trânsito, o motorista pode ter pena substituída. Isso gera uma sensação de impunidade. Porque essa sensação? Porque o motorista não vai preso e porque a careteira dele é retida momentaneamente, mas em seguida tem que ser liberada, ele continua dirigindo.

Folha Vitória – Porque isso acontece?

Fabiano Contarato – Isso acontece porque mesmo pegando a pena máxima prevista no Código Penal, que pode chegar a seis anos, na prática de um homicídio culposo, o Código Penal no artigo 44 determina que o juiz substitua a pena de prisão por uma pena restritiva de direito, como é o caso, por exemplo, do fornecimento de cestas básicas. O que nós temos que refletir é que uma pessoa que deliberadamente faz uso de bebida alcoólica, ou não, mas que pega um veiculo automotor que tenha pelo próprio peso uma potencialidade ofensiva enorme, ocasiona a morte de inúmeras pessoas, que estão no auge da produtividade econômica, que são médicos, dentistas, advogados, enfim, o perfil é variado, e que elimina uma vida humana, ele deve ter uma pena imposta ao Estado como fornecimento de cesta básica? É isso que a sociedade quer?

Folha Vitória – No caso do ônibus, o motorista pagou fiança e foi liberado. Isso causou indignação em muitos. Foi um procedimento correto?

Fabiano Contarato – Esse é um procedimento normal estabelecido pela Constituição Federal. A Constituição estabelece a presunção de inocência, ou seja: ninguém é considerado culpado até o trânsito em julgado na sentença penal condenatória. E a fiança é uma garantia constitucional para responder o inquérito em liberdade e consequentemente o processo. Após o trânsito do devido processo legal e recebendo uma condenação, aí sim, ele é considerado culpado e aquela sentença vai ser executada.

Folha Vitória – O acidente em Domingos Martins trouxe ao noticiário algumas expressões que não são dominadas por todos, como crime doloso ou culposo. Qual é a diferença entre eles?

Fabiano Contarato – O crime culposo se dá por três elementos: imprudência, que é a prática de atos perigosos, como excesso de velocidade e avanço de semáforo; a negligência, que é a falta de atenção, por exemplo: estou dirigindo com velocidade compatível, mas me distraio com qualquer coisa e atropelo alguma pessoa que morre; ou a imperícia, que é a falta de aptidão técnica profissional: estou conduzindo uma carreta sem ser habilitado para tanto. Essa é a trilogia da culpa. Ou seja, um crime sem intenção com a pena mínima e que não cabe cadeia, que a pessoa não é presa e que há substituição da pena. O problema é que nós temos que entender, é que no Brasil dolo não é só a intenção. O artigo 18 do Código Penal disse crime doloso quando a gente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo. Ou seja, em alguns casos esporádicos há a possibilidade de sustentarmos a tese de que, pelo comportamento do motorista, ele não quis diretamente o resultado, mas assumiu o risco de produzi-lo.

Folha Vitória – Em que tipo de casos isso pode ser aplicado?

Fabiano Contarato – É o caso de um pega ou de um motorista de ônibus que pela potencialidade, pelas condições da pista, pela rodovia, tendo sido alertado pelos passageiros, ele faz ultrapassagem em local inadequado em excesso de velocidade. Ele não quer obviamente matar ninguém, mas pelo comportamento, assume o risco desse resultado. Logo isso é dolo, a ser respondido pelo Tribunal Popular do Júri, no artigo 121, com pena de seis a 20 anos de reclusão.

Folha Vitória – No caso específico de Domingos Martins, o senhor recebeu o inquérito nesta segunda. Quais serão os próximos procedimentos?

Fabiano Contarato – Esse inquérito foi instaurado por força de auto de prisão em flagrante feito pelo delegado de plantão, que entendeu por bem autuar o motorista por homicídio culposo. A pena de detenção é de dois a quatro anos e é afiançável. O motorista pagou fiança e foi posto em liberdade. Os autos do inquérito chegam em minhas mãos e eu tenho 30 dias para concluir esse inquérito. Não é porque o delegado de plantão entendeu por bem autuá-lo por homicídio culposo que esse vai ser o entendimento final esse inquérito. Por isso que nós temos 30 dias.

Folha Vitória – Que procedimentos investigativos serão adotados nesse período?

Fabiano Contarato – Nesses 30 dias eu vou coletar todas as provas, sejam de natureza objetiva, como, por exemplo, laudo pericial feito nos veículos, ônibus, saber por que esse tacógrafo não estava funcionando, em que circunstancias aconteceram esse acidente, ouvir os passageiros e demais vitimas do acidente. Eu posso concluir pelo dolo, mas isso não quer dizer que vai acontecer. Eu posso entender em modificar ou não essa tipificação inicial. Entender que ele praticou não homicídio culposo, mas doloso. No que se chama dolo indireto. No seu comportamento ele não quis o resultado mortes, mas com esse comportamento ele assumiu o risco de produzir esse resultado. Isso muda tudo.

* Fonte: Folha Vitória

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