Cooperação e competição

Com José Ricardo Grillo. Professor de pós-graduação em Jogos Cooperativos, licenciado em Educação Física e em Pedagogia e focalizador do Projeto Cooperação, de Santos (SP); co-autor do livro Circulando Cooperação, do Projeto Cooperação 2003. Ele esteve em Venda Nova do Imigrante (ES) a convite de Sirlei Zandonadi, diretora da Cooperativa Educacional de Venda Nova do Imigrante – Coopeducar e vai expressar aqui a sua opinião sobre o tema:

Pedagogia da cooperação. A pedagogia da cooperação é um movimento, uma ação de transformação e reflexão sobre a cultura da cooperação. Há 10 anos estudo os jogos cooperativos como um movimento transformador e revolucionário dentro dos quatro campos da sociedade em que a gente vive: comunidade, organizações, educação e transformação pessoal. O foco está em ser capaz, na nossa vida cotidiana, em momentos de paridade, escassez ou sobra, manter o foco na cooperação, já que vivemos em uma sociedade extremamente competitiva, e que por isso tem se revelado não ser boa para todo mundo. Se não está bom para todo mundo é necessário aprender a conviver, reaprender a sonhar juntos para um mundo que poderia ser bem melhor.

Fenômenos sociais. A competição e a cooperação são reconhecidos como fenômenos sociais. O ser humano tem um mito, um paradigma, que diz que nós somos competitivos por natureza, talvez baseados na teoria de Darwin da Evolução da Espécies, muito mal interpretada, quando diz que na cadeia humana sobrevive o mais forte, e na verdade o que Darwin trouxe é que sobrevive o mais apto. Durante muito tempo desde da era do gelo, da era glacial, precisamos desenvolver atitudes de cooperação entre nós seres humanos, para sobreviver em um meio inóspito e gelado como era, sobrevivendo com muita escassez de comida. Agora a gente precisa descobrir uma maneira nova de jogar, jogar no sentido mais amplo, representado pelo jogo da vida. Todos nós queremos ser felizes e buscamos uma maneira de sermos felizes, mas nós estamos buscando isso sozinhos, e como diz o poeta: “o resto é mar, são coisas que eu nem sei contar, fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho, e ainda assim a gente continua tentando.

Paralelo cooperação x competição. O paralelo entre competição e cooperação, é que cooperação são ações comuns e benefícios para todos, e competição são ações isoladas e benefícios exclusivos. Pelos problemas comuns que estamos passando na sociedade planetária, tais como efeito estufa, guerra, fome e tantos outros que são problemas de todos nós, precisamos desenvolver uma nova cultura, algo que venha contrapor a esse espírito competitivo que vem movimentando a nossa sociedade. È possível descobrir uma nova maneira de jogar nesse sentido amplo que falo interiormente, e talvez a cooperação seria fundamental para a nossa existência comum.

Projetos cooperativos para os jovens. Tem várias ações feitas especificadamente com os jovens, mas penso que essa mudança começa em cada um de nós, por isso quando citei a transformação pessoal é o primeiro caminho. É claro que quando você propõe o jogo cooperativo como ferramenta para promover a pedagogia da cooperação, você vai re-descobrindo através da vivência, da reflexão e da transformação, que o jogo pode ser transformado, pode ser melhorado, e que a gente pode construir um mundo onde todos podem vencer, mais um vencer talvez grafado diferente, um vir a ser, a ser transformado, vencer todos nós, vir a ser quem somos na nossa potencialidade única. E para o jovem que hoje tem um mercado de trabalho restrito, que tem poucas opções nessa sociedade que a gente vive, ele tem a possibilidade real através da cooperação de estabelecer ações efetivas para a mudança do mundo. Fizemos alguns trabalhos em São Paulo com adolescentes de riscos, e tem gerado trabalhos belíssimos com associações desses jovens para vender como jovens empresários, e isso tem dado um resultado muito satisfatório. É possível inserir esses jovens em qualquer comunidade, seja ela pequena ou grande, com espírito de cooperação, e com isso promover várias ações.

Liderança no sistema cooperativista. A liderança que a gente acredita dentro da cooperação é uma liderança circular. Cada ser humano te uma capacidade única e que é indispensável para a cadeia da vida. Você tem uma competência que é só sua, e por isso é maravilhoso. Em alguns momentos é essa competência que deve ser colocada a serviço do grupo. Não adianta nada eu ser um excelente locutor se eu não falo para todas as pessoas, é necessário colocar a serviço do grupo a nossa liderança. Essa liderança compartilhada significa em momentos específicos exercitar esse dom que você tem, e deixar que isso flua para todos os seres, em todos os tempos.

Poder na cooperação. O poder é um poder legitimado, um poder ético. Usar o poder de uma maneira que seja bom para todos. Uma vez me perguntaram o que é o sagrado, o sagrado é o que é possível para todos. Não consigo conceber nada sagrado em que todos não estejam incluídos. E pensando nisso, a cooperação é um poder grupo, um poder grupal, e que naquele está representado por uma das pessoas, que está levando grupo para um caminho previamente escolhido.

Inter-relações. O condicionamento competitivo é o que há de mais complexo nas inter-relações em grupo. Para essa mudança de paradigmas que estamos vivendo, enfrentamos condicionamentos terríveis pela sociedade, não conseguimos mais escolher o jeito de jogar. O que temos praticado é única e exclusivamente a competição. Com essa competição desenfreada do jeito que está temos caminhado a passos largos para um momento de separatividade e, por conseqüência, de individualismo e violência. Por isso penso que quem está querendo trabalhar com a cooperação, está buscando a cooperação como a essência para qualquer trabalho que esteja realizando ou para a sua própria vida, precisa ficar atento aos paradigmas que estão inseridos em cada um de nós.

Sonhar. Sonhar é fundamental sempre. Quando a gente sonha com algo, a gente começa a delinear um projeto para nossa própria vida. Sonhar é fundamental, muitas vezes as pessoas cortam os nossos sonhos. Por isso não deixe que ninguém corte os seus sonhos, que não deixe você viver aquilo que acredita. Sonhe sempre, e procure nas outras pessoas, como diz uma frase do Walt Disney que lembrei agora: “você pode construir o lugar mais maravilhoso do mundo, mas se você não tiver pessoas para realizar esse sonho você nunca vai concretizá-lo”. Por isso sonhe, busque parcerias, vá atrás de seus ideais.

Teia da Vida. Todos temos momentos em que a gente precisa ficar sozinho, se encontrar consigo mesmo. Mas tem um poeta tibetano, um Monge budista, que escreveu um livro chamado “A Arte de Viver em Paz”, ele diz que nenhum de nós apenas é, todos nós inter-somos em todos os momentos da nossa vida. Olhar para gente nessa ilusão do momento de separatividade que estamos vivendo, reconhecer todas as outras pessoas que estão nos compondo, descompondo e recompondo no jogo da vida. Por mais que eu esteja sozinho no meio mata ou aqui em um estúdio trancado, ainda sim eu vou estar em relação com quem fez estas paredes, essa cadeira, quem ligou o som. São várias pessoas que muitas vezes não vemos nessa teia, mas todos fazem parte de uma mesma teia da vida.

Meio competitivo x cultura cooperativa. Tem a história de uma velhinha que sentava no ônibus e ficava jogando sementes para fora da janela. Um senhor sentou do lado dela e perguntou porque ela fazia aquilo, e ela respondeu que ela sempre viajava naquele ônibus, e achava aquela estrada muito seca, sem flores, e eram sementes de flores que ela jogava porque ela queria ver aquela estrada mais florida. O senhor saiu do ônibus achando que aquela mulher estava meio maluca. Passado um mês e meio, ele voltou no ônibus e viu aquela estrada toda florida. Ele perguntou para o cobrador sobre a velhinha, e ele disse que ela tinha falecido há dez dias de pneumonia. Ia começar a pensar em alguma coisa quando viu uma menininha olhando pela janela, apontando para as flores e falando com o pai: “que coisa mais linda, que flores são aquelas?”. Naquele que momento ele entendeu que o que a velhinha tinha feito não para ela, e partir daquele momento ele também começou a jogar sementes pela janela. Eu acho que a gente pode continuar jogando sementes pela janela, independente do jogo que a gente está jogando, e sim daquilo que a gente acredita.

Aceitação do cooperativismo. Há algum tempo atrás, há uns dez anos, quando a gente começou a falar de cooperativismo, era como se os ETs tivessem chegando, ninguém aceitava uma nova metodologia, um novo jeito de jogar. Hoje, nós temos pós-graduação em jogos cooperativos, temos academia que aceitou o jogo cooperativo como método eficaz de ensino e temos reconhecido na cooperação, nas organizações e neste desenvolvimento sustentável que a gente está vivendo hoje, como ferramenta.

Voluntariado. É possível se construir muita coisa através do voluntariado. A essência do voluntariado é a cooperação entre as pessoas. Um salto maior é no sentido do altruísmo. Cooperação a gente faz por um sentido em comum, e altruísmo a gente faz pelo o outro. Talvez essa seja a marca onde a gente um dia vai chegar, mas ainda temos um longo caminho para chegar nisso e eu vejo o voluntariado como um ensino maravilhoso para todos nós.

Ser e ter. Tem um site muito bom para se visitar que é o www.footprint.org . Eles têm um estudo, que em 1969 a gente utilizava 60% do planeta Terra, hoje a gente utiliza 120% do planeta. Imagina que é uma família que ganha 100 e gasta 120, é isso que a gente está fazendo com o nosso planeta. Isso se deve ao consumo desenfreado causado por alguns efeitos colaterais da competição, entre eles a cultura do ter, e não do ser. Somos aquilo que temos e não aquilo que somos essencialmente. Talvez a gente precise de uma nova ação, de uma cooperação para esse mundo que estamos querendo melhor, e deixar para os nossos filhos.

Competição cruel. Muitos psicólogos sociais vêm estudando a competição e a cooperação. Falam desde uma coopetição, que é a junção da cooperação e da competição, até uma competição destrutiva, aquela que outro é nosso inimigo mortal. Se a gente enxerga desse jeito, passamos a nos ver como separados, e vivemos numa ilusão de separatividade.É necessário que a gente mude o foco de visão, e perceba que somos solidários nesse jogo. Essa competição cruel, que é uma que a gente vêm vivendo em alguns lugares do planeta e até dentro da gente mesmo, quando vê atividades que a gente não quer mais fazer, e ainda assim não dá uma oportunidade nova, que para mim é cooperação. Níveis de competição e cooperação existem muitos, talvez a competição destrutiva seja a pior delas, onde você não enxerga mais nada, só o resultado. Somos condicionados a competir. E estamos competindo hoje em lugares que não precisamos mais, principalmente para resolvermos problemas de todos nós.

Cultura e conscientização. Se a gente começa a fazer um trabalho na educação infantil essa criança vai sendo transformada e se torna um adulto totalmente diferente. Antropólogos já provaram que existem primitivos tanto cooperativos como competitivos. Primitivos não no sentido de piores ou melhores que a gente, mas ainda intocados pela civilização ocidental, a qual nós achamos que somos detentores do saber. Por exemplo, os aborígenes da Austrália têm um grau gigantesco de cooperação entre eles, e quando estão juntos, eles só celebram. Falar de jogos competitivos eles nem sabe o que são, para eles é um momento de integração e celebração. Por isso, como o homem é um ser social, já dizia Piaget, depende da sociedade que a gente está inserido. Depende muito de transformarmos a sociedade que a gente quer viver.

*Publicada em 16/10/2006

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