*Leandro Fidelis
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Nos primeiros anos do Brasil, a prática do escambo, a troca direta de produtos ou serviços, garantiu aos portugueses o domínio sobre os índios para explorarem as novas terras descobertas. Um simples espelho era irresistível aos olhos dos primeiros habitantes.
Lázaro (esq.) trocou TV por sanfona de Miro – Foto: Leandro Fidelis |
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Mais de 500 anos depois, o hábito de trocar objetos sem o uso de moeda se mantém vivo. Na Região Serrana do Estado, por exemplo, as pessoas mobíliam e decoram suas casas com a “berganha”, como chamam o ato de barganhar.
Em Afonso Cláudio, a Feira do Escambo volta a acontecer a partir do próximo mês, enquanto na família Trabach, do Distrito de Aracê, Domingos Martins, primos, sobrinhos, tios e irmãos promovem troca-trocas entre eles.
Descendentes de alemães, os Trabach “berganham” de bicicleta a carro. Curiosamente, as trocas não tomam como critério o valor dos objetos, mas acabam dando novo significado para algo que os parentes estavam descartando em casa.
O “berganhista” mais conhecido é o agricultor Valdemiro José Trabach, o “Miro”, de 48 anos. Desde os 12, ele procura vizinhos e parentes para trocar as “traias”, como se refere aos pertences.
Segundo Miro, em um ano ele chegou a trocar 316 vezes de carro. O tempo mais longo que um automóvel permaneceu na garagem foram quatro meses.
“Rodei quase todos os dias do ano com um carro diferente. Cheguei a ter cinco no quintal. Teve um dia que nem cheguei a ver um veículo, porque já tinha feito a troca por telefone e o novo dono a pegou antes de eu chegar em casa”, diverte-se o agricultor.
Miro ainda se orgulha de raramente comprar eletrodomésticos e mantimentos. “Não compro feijão e farinha há tempos. Troco até galinha por farinha”, diz.
A mania de “berganhar” sobrou até para um amigo recém-separado da mulher. “Depois que passou a morar sozinho, ele estava com os móveis lotando a casa. Não perdi tempo e fui lá negociar.”
O professor Lázaro Boone (28), sobrinho do “Miro”, herdou do tio a prática da “berganha”. Com ele e os primos, já trocou celular, aparelho de som, computador e, mais recentemente, uma televisão de 29 polegadas por uma sanfona.
“Quando quero desfazer de algo, ligo para eles. Marco de ir à casa onde moram e faço a troca. Se o objeto estiver mais limpo, bem cuidado, vale mais”, destaca Boone.
Feira do Escambo volta em fevereiro
Marilza já conseguiu peças raras para a casa na base da troca – Foto: Leandro Fidelis |
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A partir de fevereiro, a cidade de Afonso Cláudio volta a sediar a famosa Feira do Escambo. O evento vai acontecer todo terceiro domingo de cada mês, no bairro João Valim, o popular “Campo 21”, próximo à casa da sua organizadora, a cabeleireira Marilza Gonçalves, de 52 anos.
Mais de 200 pessoas são esperadas para fazer trocas ou mesmo conferir as novidades para se organizar e levar algum objeto em desuso para a próxima feira. A última edição ocorreu em 2008.
Na primeira feira, Marilza conta que convidou os amigos e os vizinhos para "escambar" em no bairro onde mora. O evento cresceu e foi transferido para a Praça Adherbal Galvão, a famosa pracinha, no centro da cidade, mas devido ao receio de muitas pessoas em se expor, decidiu-se voltar com a feira para o seu antigo local.
Quem comunica melhor, tem mais chances de promover uma troca satisfatória, salienta a cabeleireira. “Eu mesma sempre faço bons negócios. Tenho paixão por objetos de decoração e já consegui peças raras para a minha casa.”
Ela sempre leva plantas, móveis, relógios, ursos de pelúcia e outros objetos para as feiras. “Aprendi isso com minha mãe. Quando ela não estava satisfeita com seus móveis, os trocava pelos dos vizinhos e assim ia renovando a decoração da casa."
A cabeleireira se dedica desde a divulgação até a montagem e desmontagem das barraquinhas. Bastante popular na comunidade, ela passa de barraca em barraca fazendo ofertas, pesquisando algum objeto do seu interesse e incentivando as trocas entre as pessoas.
Até moto trocada por carro
Miro (esq.) e Aécio trocam moto por carro – Foto: Leandro Fidelis |
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Os “berganhistas” levam tão a sério a mania de trocar que passam horas do dia na tentativa de convencer o outro da importância do objeto envolvido na barganha.
O agricultor Aécio Péterli (39) está sempre no quintal do Miro para “berganhar”. A última troca foi de uma motocicleta usada por uma Saveiro. “Quando não tem o que trocar, o ‘berganhista’ fica procurando algo em casa, é um vício. Se não tem objeto, vale até galinha”, diz Aécio.
Ele afirma que pegou o costume com o pai há 20 anos. “Ele era bom de trocar cavalo, boi ou outro animal com outros agricultores da região.”