Cidadão do mundo- parte II

Com Virgínio Francisco Lopes, irmão Lopes. Mineiro, missionário Salesiano em Angola, formado em telecomunicações e em eletrônica, atua há 23 anos na área da saúde preventiva. Veja o que ele fala sobre sua experiência enquanto cidadão do mundo:

Do Brasil para a África. Desde que eu fiz o noviciado em Barbacena, em 1963 me tornei missionário. Depois de um tempo de trabalho em várias casas da Inspetoria São João Bosco, os superiores perguntaram aos salesianos quem gostaria de trabalhar na África, atendendo a um apelo dos Bispos de lá, seria então um missionário além fronteira. Dei meu nome, me deram a licença e fui para a Angola, África no dia 29 de novembro de 1981.

Realidades. Muito animado, sobrevoava Luanda e senti um frio na barriga em ver aquela terra toda rachada. Quando “aterrisamos” sentir aquele cheirinho do país, (todo país tem cheiro característico), ver aqueles milhares de militares. A negritude eu já sabia que havia, mas nunca imaginava que eram tantos negros e todos armados. A fiscalização era muito rigorosa, colocava todos os objetos da mala no chão, revistava os bolsos, foi muito difícil. Na hora que eu cheguei não havia ninguém no aeroporto a nossa espera, porque estavam cansados de esperar, o avião atrasou três horas. Fiquei em uma casa de portugueses que me receberam com muito carinho. Eu não estava acostumado a ouvir o português de Portugal, não entendia nada e para falar com Angolanos também era difícil, eles não me entendiam. Foi muito difícil nos primeiros dias, inclusive a comida, sem ter outras alternativas nos primeiros dias, mas acostumei.

Saúde preventiva. Quando cheguei em Angola, não sabia muito bem o que ia fazer, mas vendo a precariedade em termos de saúde, muita mortalidade, sobretudo das crianças e dos homens na guerra (a guerra era muito intensa quando eu cheguei e ainda era sistema socialista), pensei que podia atender a saúde, embora não soubesse nada podia fazer muita coisa e foi o que realmente eu fiz. Pequenas cirurgias de alguém que pisou em um espinho, pau ou estava com uma bala no corpo… não tendo cães caça-se com gatos, muitas pessoas que a gente atendeu ficaram boas, curadas. Crianças morriam por falta de cuidado das mães, que não conheciam regras de higiene. Eu dava medicamento contra as diversas verminoses, sarampos, trabalhei por um bom tempo desta forma, até que descobri que o melhor seria trabalhar na área da medicina preventiva.

Medicamentos. No início o medicamento era de graça, doado por várias organizações não governamentais e outros países que mandavam medicamento. Mas se o medicamento fosse para o hospital, era desviado e vendidos na rua. Todo mundo compra e toma de qualquer maneira, receita para si mesmo. Eu recebia da Alemanha quantos medicamentos precisasse, mas percebi que a profilaxia é a melhor maneira de se ter saúde.

Disponibilidade. Fui muito disponível. Não fui para fazer uma coisa só, fui muito aberto para fazer qualquer trabalho que precisasse. O projeto que eu tinha feito no começo é o mesmo, sempre estar disponível para qualquer trabalho. Uma pessoa muito egoísta, que só se especializa em uma determinada coisa, só quer comer determinados alimentos, só vai fazer dessa ou daquela forma, vai ter muita dificuldade em participar de uma missão. O missionário é aquele que está bem disponível, porque não sabe em que terra vai “cair”, que língua vai falar, que comida vai comer, nem com que povo vai se relacionar e a necessidade deste povo. Você se especializa em uma área, o que é bom, mas talvez essa sua especialização não sirva no lugar para onde você foi. O missionário deve estar preparado e aberto para as circunstancias do dia e das necessidades do povo para onde ele vai.

Família. No começo a minha família me questionava muito porque ia deixar eles aqui. Meu pai já estava muito velho, 91 anos e minha mãe também, com 88. Mas eu cuidei de outros que precisavam mais que a minha família e outros cuidaram da minha família. Sinto que a minha família é de Angola e eu sinto que sou querido por eles, pelas crianças, pelos jovens, pelos mais velhos e eu os quero muito bem. Sinto que aquela também é minha família. O que estamos precisando mais em Angola é de saúde e educação, mas com educação eles vão encontrar meios para ter uma saúde melhor.

Voto de obediência & vontade pessoal. Pretendo ficar para sempre em Angola, embora tenha feito voto de obediência. Estou aberto as vontades dos superiores. Se me chamarem, eu volto para o Brasil, mas dependendo de mim, eu fico por lá.

Considerações finais. Falo que fui para evangelizar, mas fui ser evangelizado. Eles são os meus evangelizadores. Aprendi a ter paciência. A não reclamar tanto, a perdoar, porque nós falamos do perdão,mas ninguém nunca nos ofende tanto. Lá não tem uma família que não tenha perdido um ente querido na guerra, e eles vivem nessa alegria toda. Batemos o record em várias coisas que não são bonitas, mas temos muita alegria. Deve ser o país com o maior número de viúvas, deve ser o país com o maior número de órfãos e deve ser o país do mundo com o maior número de minas plantadas no solo, no entanto é o país mais com mais alegria e mais hospitalidade.

*Publicada em 16/10/2006

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