Que tal um financiamento para você comprar sua própria terra? Pois tem trabalhador rural em todo o Brasil que já pegou dinheiro emprestado e se tornou proprietário.
Um pedaço do Brasil onde a natureza foi generosa. É assim o Sul do Espírito Santo, com suas montanhas e pedras gigantes. “O Programa Nacional de Crédito Fundiário é um programa complementar à Reforma Agrária”, afirma o coordenador do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf), Marcelo Duarte.
Marcelo é o coordenador do programa no Espírito Santo. Segundo ele, cerca de 1.400 famílias conseguiram o financiamento para a compra da terra no Estado até hoje. No Brasil inteiro, são pouco mais de 66 mil famílias, com destaque para o Rio Grande do Sul, Piauí e Maranhão. “Enquanto a reforma agrária tradicional adquire grandes propriedades não produtivas, o crédito fundiário adquire propriedades que são produtivas e capazes de sustentar aquela comunidade”, afirma Duarte.
A quantidade de hectares que o trabalhador rural pode comprar pelo grama depende do preço da terra na região. “Quantos hectares o trabalhador poderá comprar vai depender do preço do hectare naquela região, naquela localidade”, explica.
Para conseguir um pedaço de terra, é preciso cumprir uma série de requisitos do programa e, claro, atender ao perfil exigido pelo financiamento.
“O primeiro passo é achar a propriedade, e o segundo passo é ver se a propriedade está toda regularizada, o comprador, o vendedor, com a documentação em ordem. Tem que estar tudo legal, não pode ter débito em banco, a propriedade não pode estar financiada”, orienta o diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Venda Nova do Imigrantes (ES), Lúcio Coco.
Só consegue ter acesso ao programa quem é agricultor. “Há pelo menos cinco anos. Pode ser diarista, colono, carteira assinada como trabalhador rural, e que não passou por nenhum processo de reforma agrária, que tenha comprado uma propriedade, saído fora do programa e queira comprar de novo. Aí já não se enquadra mais”, explica o diretor Lúcio Coco.
A propriedade que a equipe do Globo Rural visitou em seguida tem 15 hectares no total, metade de mata nativa. Na área de lavoura, tem milho, um terreno reservado para as mudas de maxixe e berinjela e 8.500 pés de café. O pai e os dois filhos que compõem essa associação trabalham no preparo da terra para o plantio de batata-doce.
Seu José Avelino nasceu no município de Serrinha, na Bahia, e por isso recebeu o apelido de seu Baiano. “Tenho mãe, irmão, primo lá. Inclusive eles nem sabem ainda que comprei uma terra”, diz.
Seu Baiano e a família moram em um sítio há dez anos e, por conta do crédito fundiário, conseguiram comprar a terra que deve ser paga até 2019. “Só o café sustenta essa associação por ano. O que a gente plantar e colher sobre isso aí é lucro para a gente”, conta o agricultor Júnior da Silva.
“É uma oportunidade. Estou com 19 anos, e a melhor coisa que tem é a roça. É bom demais ser dono dessa terra, muito bom”, avalia o agricultor Givanildo da Silva. “Esse terreno aqui não venderia por nada neste mundo hoje”, afirma Júnior da Silva.
Como a família de seu Baiano nem sonha em vender a propriedade, muito pão quentinho ainda vai sair do forno a lenha. “Tem pão todo dia, para a gente tomar café da manhã. Tomo café duas vezes ao dia, de manhã e à tarde”, conta a agricultora Ivone da Silva.
“Quando o documento de posse chegou, fiquei muito feliz, graças a Deus”, diz Ivone. “A primeira coisa que a gente fez com esse documento foi parar e pensar: ´Isso tudo aqui é nosso!´”, lembra Júnior da Silva.
“Fiquei uma semana até me acostumar, porque como é que eu iria poder comprar um terreno desses??, pergunta-se seu Baiano. “A coisa mais bonita é você ver os filhos todos trabalhando com o pai”, acredita Ivone.
Trabalhando na roça com o pai ou com a mãe. No município de Viana, a menos de 50 quilômetros do sítio do seu Baiano, vive dona Lili Alvarintho e seus filhos. Com três deles, ela também formou uma associação familiar.
O ano era 2001, e um recorte de jornal estava prestes a acender a lenha do fogão. Foi quando a dona Lili leu a notícia sobre o crédito fundiário de combate à pobreza rural e resolveu correr atrás de mais detalhes sobre esse financiamento. Sabe para quem ela escreveu?
“Escrevi para o presidente da República. Aí com três dias, escrevi na segunda-feira e recebi na quarta-feira, já recebi uma carta com a resposta daquilo que eu estava procurando. Comprei realmente a terra em 2004, tudo certinho, com todas as papeladas, toda dificuldade”.
“Um sítio não estava bom, o outro não estava bom, foi quando achei esse aqui, a gente fez o negócio e ficou certo. Demorou quase quatro anos para eu poder ser dona de um sítio, para nós”, conta.
A aquisição trouxe o filho Gilcélio Alvarintho de volta para o Espírito Santo, depois que ele foi tentar a vida em uma metalúrgica em São Paulo. “É melhor você trabalhar do jeito que eu trabalho aqui, apesar de que trabalho todos os dias até mais do que lá, mas graças a Deus dá para viver”, afirma.
Na propriedade, Gilcélio tem várias funções nessa associação familiar. “Hidráulica, elétrica, se é para fazer uma casa, subir uma parede, rebocar, alguma coisa, essa parte fica toda para mim. Hoje é dia de adubar, colocar um pouco de adubo nas plantas”, revela.
É o que também faz a dona Lili, aproveitando a garoa do dia para que o adubo se incorpore bem ao solo. “Eu adoro trabalhar com os filhos, porque, se precisar dar uma chinelada na bunda, já dou uma chinelada também. Gosto muito da minha família, a gente é bem unido”, diz.
No quintal da propriedade, o trabalho de cuidar dos pequenos animais fica por conta da agricultora Euzilane Alvarintho. É ela também que prepara a boia.
“Vamos ter arroz, feijão, polenta, aipim frito, ensopado, bem farto. Depois que viemos para cá, as coisas têm sido assim. Tudo o que está pronto hoje, tirando o arroz, é tudo daqui da terra mesmo. Não tivemos gasto nenhum por fora”, conta.
“Graças a Deus, tem um pouco de tudo”, afirma dona Lili. E tudo registrado em seu nome e no nome dos filhos. “Eles queriam uma coisa igual está agora, declarada ali, minha”, completa. “Um documento, às vezes, fala mais do que uma palavra. Na palavra ninguém acredita”, compara Gilcélio.
E documentos é justamente o que não falta nas pastas que a dona Lili guarda dentro de casa. “Aqui temos a nossa escritura, que confirma que a nossa propriedade é registrada, é carimbada e assinada. Então, nós temos uma propriedade mesmo, não é fantasma. Tudo o que nos pertence a gente põe aqui”, comprova.
E correm para dar conta de assumir os compromissos depois que assinaram o financiamento. A primeira parcela do crédito fundiário venceu em fevereiro do ano passado.
Eles guardam o comprovante: R$ 2.700 já com o desconto de 40%, que veio como prêmio pelo pagamento em dia. “Foi bem difícil pagar essa primeira prestação”, lembra Gilcélio. “Porque, quando pegamos o sítio, pode-se dizer que não tinha nada, que estava tudo cheio de mato. Até começar a produzir para a gente conseguir guardar esse dinheiro, levou um bom período”, conta Euzilane. “É uma questão de honra, a princípio, e lógica. Você só é dono quando você paga”, define Gilcélio.
“Hoje a gente não tem dinheiro, mais ou menos a gente levanta de manhã pensando no que vai pôr na panela. Então, é por isso que a gente anda bem firme com as coisas para poder só ir pegando degrau. A gente não quer descer o degrau, a gente só quer só subir o degrau”, destaca dona Lili. Para participar do Programa de Crédito Fundiário, procure o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do seu município.
* Fonte: G1