Escolas de qualidade estão mais preparadas para ajudar os jovens que vivem imersos em uma cultura da droga a administrar os próprios riscos. É o que afirma o pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa da Universidade Católica de Brasília (UCB), padre Geraldo Caliman, que é especialista em Pedagogia Social. Tem diversos livros publicados, sendo o último “Paradigmas da Exclusão Social“, obra voltada à formação de educadores. Em entrevista a Luciana Moreira Ferreira, padre Caliman fala sobre o papel da escola e do professor no combate aos principais problemas sociais e faz uma crítica aos programas governamentais para a educação.
A escola é, de fato, o mais eficiente meio de combate a problemas como tráfico, criminalidade e prostituição?
PE. Geraldo Caliman – Um dos paradigmas interpretativos da delinqüência se refere à matriz cultural do comportamento das pessoas: ninguém nasce delinqüente; nos tornamos delinqüentes porque assim aprendemos a ser dentro de uma cultura que favorece determinados valores, crenças, atitudes, comportamentos. Escolas de qualidade estão mais preparadas a ajudar os jovens que vivem imersos em uma cultura da droga a administrar os próprios riscos. Então o professor tem que ser mais que um dador de aulas, um conteudista, e assumir a posição de alguém que ajuda o jovem a fazer escolhas entre os valores e os desvalores nos quais ele está imerso. Não se trata nem de escolas particulares de classe média e escolas públicas de periferia: em qualquer uma delas podem repercutir fortemente os impactos da cultura circunstante, de uma cultura da droga, da violência, da delinqüência. Quanto mais o projeto pedagógico consegue construir uma comunidade educativa, maiores são as chances de provocar essa boa administração dos riscos vividos pelos jovens.
Ainda são assustadores os índices de crianças que se formam, mas não aprendem; ou que estão matriculadas, mas abandonaram a escola. Como tornar a escola um programa mais interessante?
A pergunta pede uma resposta complexa, mas uma escola de melhor qualidade sempre passa por investimento em educação e qualificação dos professores e dos profissionais da educação, que deve começar na universidade e persistir na educação continuada. Considerando o forte contingente de alunos que sofrem com problemas sociais, deve-se preparar o profissional da educação para que tenha condições de interpretar a realidade social na qual os alunos se encontram, de forma que faça a ponte entre o social (de caráter sociológico) e o educativo (de caráter pedagógico). Também são importantes: o investimento no espaço escolar como um espaço pedagógico; a melhora do salário do professor; e a existência de políticas públicas nas quais o Estado não responda por períodos de gestão política, mas por políticas de longa duração.
Como o senhor vê os vários programas governamentais que buscam integrar benefícios sociais com freqüência escolar?
Tudo bem que a implementação de políticas compensatórias se faça necessária. Mas existem questões mais importantes, como: qual tipo de escola? Qual a sua dinâmica pedagógica? Que prioridade é dada à educação no orçamento da nação? Quando as políticas sociais de longo alcance são pouco eficazes, ou historicamente não conseguem resultados, os Estados tendem a se utilizar das políticas assistenciais e compensatórias. As políticas compensatórias devem ter um caráter temporário enquanto resgate emergencial da cidadania de indivíduos socialmente excluídos. Elas sempre tiveram seu espaço, sobretudo em tempos de grandes mudanças sociais, quando os sujeitos sem qualificação profissional acabam mais facilmente excluídos do processo de desenvolvimento. O sujeito profissionalmente qualificado, por sua vez, tem mais chances de participar dinamicamente de todo o processo.
Em linhas gerais, o Brasil avançou ou retrocedeu na formação e no trato social dispensados a seus jovens?
Em minha opinião o Brasil precisa levar mais a sério, em primeiro lugar, a educação, e, em segunda, os jovens. Estamos em um tempo em que se pensa em penhorar bens como os depósitos de petróleo do pré-sal para, só assim, começar a pensar seriamente a educação. São as pessoas que geram riquezas, não os recursos naturais. Os recursos naturais no Brasil tendem a alimentar, sim, a desigualdade social, como o fizeram por séculos. Qualquer professor olhando a historia sabe disso. Alguns países investiram pesadamente na prospecção outra riqueza, a educação.
Num país como o nosso, com fortes índices de desigualdade, o social deve ser necessariamente associado à questão educacional. Nossa pedagogia deve reconhecer a potencialidade da sua dimensão social, e, portanto, deve ser basicamente uma pedagogia social: ciência que se ocupa de sujeitos cujas necessidades fundamentais tendem a ser permanentemente frustradas. E cujas necessidades mais altas (como qualidade de vida, cidadania, projeto de vida) não conseguem romper os limiares do suficiente.
* Luciana Moreira Ferreira é jornalista da Folha Dirigida, que publicou entrevista com padre Geraldo Caliman no Suplemento do Professor, em 14 de outubro de 2008.