Um encontro diferente

Elizio Nilo Caliman – Brasília

 

A diferença entre o encontro Redex em Venda Nova do Imigrante – ES e os demais, desculpem o pleonasmo, foi por sido deferente graças à habilidade e criatividade dos organizadores e a receptividade do povo vendanovense.

 

O encontro transbordou dos limites de quatro paredes de tijolos para a seio de uma comunidade preparada para, numa admirável simbiose, receber os que, junto com muitos outros e de formas tão diversas, ajudaram a construir uma cidade exemplo de fé e dinamismo para o Brasil (*).

 

Os abraços não se estreitaram, apenas, entre os redexianos que se encontravam, estenderam-se longos e efusivos pela comunidade que recebeu os visitantes de braços abertos que se estreitaram em gestos físicos e emocionais.

 

Na medida em que os eventos programados se sucediam o entusiasmo e a admiração transbordavam num crescer constante revelando a identidade de sentimentos entre duas entidades.

 

Solene abertura emoldurada pelos acordes da Escola Santa Cecília entrelaçados pelas dissonâncias redexianas ao som de “Do grande Dom Bosco” inaugurou o encontro seguida de alegre jantar de confraternização regado ao bom vinho.

 

Noite de descanso para realinhar a mente embaralhada pelos sacolejos das curvas da sinuosa estrada atravessando vales e montanhas das serras capixabas cobertas pela mata atlântica para chegar a Venda Nova.

 

Alvorada ao som da passarada convidando para o sortido café da manhã. Passeio de ônibus mostrando a cidade. Visita ao esplendoroso orquidário do Domingos Sávio Caliman símbolo da preservação da natureza praticada por uma cidade reconhecida como a capital do turismo ecológico. Visão do vale de Lavrinha berço da cidade. Visita ao templo da polenta (o Polentão) e ao Centro Cultural e Turístico de Venda Nova do Imigrante. Efusivo encontro como a comunidade salesiana local. Almoço com pratos típicos da culinária capixaba.

 

Partida para Jaciguá passando entre vales e montanhas assistidas pela imponente e luminosa Pedra Azul. Encontro fraternal e festivo com a comunidade de Boa Esperança, Jaciguá lembrando para muitos um passado de inúmeras recordações e saudades. Saudações, cantos, contos e comes e bebes em abundância. Visita ao movimentado e divertido presépio do Agostinho Bastianello onde até descontextualizada onça pantaneira tem direito de se apresentar tentando, inutilmente, abocanhar intrometido e espevitado sagüi da mata atlântica(**).

 

No caminho de retorno, jantar de gala no Café Colonial à sobra da Pedra Azul (já era noite) com música ao vivo e degustação de pratos típicos regionais. Antecipação da definição por aclamação do local para o próximo encontro: Niterói, berço da salesianidade no Brasil.

 

Mais uma noite de descanso para assentar as emoções. Despertar com o vozerio de indiscretos madrugadores convidando para o café da manhã e conclamando para a missa das 9h.

 

Ponto alto das comemorações, a missa das nove foi uma apoteose jamais imaginada. As duas comunidades, redexiana e vendanovense, entrelaçaram-se em preces e cantos que transbordavam além das quatro paredes do templo alcançando os ouvidos de participantes que não lograram espaço físico para se acomodarem na igreja.

 

Os primeiros e solenes acordes de exuberante polifonia entoando o Veni Creator nas vozes da Escola Santa Cecília dialogando com o monódico gregoriano do humilde e sempre entusiasmado coral redexiano fizeram rolar lágrimas de profunda emoção dos participantes da assembléia. Com voz embargada restou-me repassar pela mente os 82 anos de lembranças desde que vi o Sol nascer por detrás das montanhas que emolduram o Vale de Lavrinha berço da hoje Venda Nova do Imigrante. Em poucos momentos revi, num mágico relance, uma longa caminhada Brasil afora que só um momento como este seria capaz de sintetizar e fazer reviver.

 

A celebração foi presidida por um lídimo e legítimo representante da Igreja e da Congregação Salesiana, o bispo Dom Décio Zandonadi, filho da terra, ladeado pelo representante da Paróquia de São Pedro Apóstolo, como que a aprovar e abençoar a invenção redexiana à guisa de ordem terceira (***) dos Salesianos de Dom Bosco cujo fundador, se vivo fosse, certamente ratificaria como um dos símbolos da continuidade da espiritualidade salesiana traduzida na linguagem da modernidade. A enfática e eloquente homilia proferida pelo celebrante em tudo sinalizou nesse sentido.

 

Como coroamento, a “missa das dez” em redor do tradicional e consagrado boteco, degustando de pé produtos da terra, deu a nota final revelando que existe subjacente à cultura cívica e religiosa vendanovense o sentimento da autonomia que une o sagrado e o profano tornando presente a teonomia que, quebrando a barreira que separa dois mundos concebidos pela heteronomia, traz a divindade para dentro do universo em que se vive.

 

As vozes sonantes e dissonantes, ecoando pela ampla praça, misturando o sagrado e o profano expressaram o grito do neófito kwakiutl (****): Estou no Centro do Mundo. O mundo da Natureza onde habita a Divindade sem a necessidade de procurá-la além das estrelas (*****).

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(*) Em texto anterior sobre -Venda Nova sementeira de vocações, fez-se questão de colocar em evidência a participação de cerca de 15 instituições religiosas que contribuíram para a construção de Venda Nova. Seria injusto louvar os salesianos sem colocar em evidência tantas outras contribuições harmoniosamente assimiladas pela comunidade.

(**) Interrogado, Bastianello não soube explicar como os dois espécimes alienígenas foram parar no presépio de Belém. Tal vez na garupa dos camelos dos reis magos.

(***) À semelhança da Ordem Terceira Franciscana que admite cristãos de todos os matizes, jovens, casados, viúvos, celibatários de todas as classes sociais, de ambos os sexos, constituindo-se no traço de união por onde escoa a espiritualidade do santo fundador para a sociedade em que se pressupõe inserida.

(****) Personagem da obra “O Sagrado e o Profano: A Natureza da Religião" de Mírcia Eliade.

(*****) Conferir “Outro Cristianismo é possível – A fé em linguajem moderna” de Roger Lenaers, ed. Paulus 2010 que, de tabela, sugere que não é impossíveloutra salesianidade a ser procuradalatente no Colégio Santa Rosa de Niterói – RJ aos pés da Virgem da Guanabara que, do alto do Atalaia, campeia sobre a obra salesiana do Brasil inteiro.

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